Por que os evangélicos são tão tentados pelas certezas fáceis de teorias da conspiração?

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O texto abaixo foi escrito por D.L. Mayfield, e explora uma pergunta que muitas pessoas tem feito nestes tempos de pandemia. Por que as teorias conspiratórias mais absurdas encontram terreno nos circuitos evangélicos? Pesquisas têm mostrado que evangélicos são o grupo demográfico que mais espalha e acredita em teorias da conspiração. A autora deste artigo de opinião oferece algumas respostas interessantes.

Quando eu estava na escola primária, fiz um trabalho sobre o Monstro do Lago Ness. Meu argumento era: Nessie era na verdade um dinossauro, um plesiossauro, e era prova de que a Terra era muito jovem, visão do chamado “criacionismo da Terra jovem”, que afirma que o planeta tem apenas 6.000 anos. Fiz um modelo de plesiossauro de madeira e orgulhosamente apresentei ao meu grupo de homeschool.

Quando cresci, gostava de me envolver em histórias como essa. Eu também acreditava em OVNIs e no Pé Grande, e teorias da conspiração pareciam divertidas e inofensivas. 

Olhando para trás, percebo que fui exposta a muitas ideias conspiratórias em meu mundo evangélico, mesmo que não chamássemos assim. Mudanças climáticas? Uma farsa perpetrada por progressistas obstinados em conter o progresso econômico. Vacinas? Não são confiáveis. No entanto, o fim do mundo e o retorno de Jesus seriam introduzidos por um governo mundial depois que os democratas elegerem o anticristo como presidente. 

Essas histórias parecem estranhas? Pessoas inteligentes, atenciosas e cheias de fé que eu conhecia falavam delas constantemente. Era empolgante pensar que cada decisão que tomamos era importante no esquema cósmico do mundo. Nós crentes estávamos entre os poucos que sabiam a verdade. No entanto, ao destrinchar essas narrativas agora, vejo o dano generalizado que veio de sua perpetuação.

Psicologicamente, essas histórias fazem sentido. Nossos cérebros estão programados para estar atentos ao perigo, buscar soluções simples e minimizar a complexidade. 

Atualmente, teorias de conspiração estão surgindo em todos os meus feeds de mídia social, muitas delas compartilhadas por cristãos de tendência conservadora. As novas torres de celulares 5G são as culpadas pelo novo coronavírus. COVID-19 é um complô de Bill Gates para nos forçar a comprar uma vacina da gigante indústria farmacêutica.

Psicologicamente, essas histórias fazem sentido. Nossos cérebros estão programados para estar atentos ao perigo, buscar soluções simples e minimizar a complexidade. 

É mais fácil acreditar que COVID-19 foi feito propositalmente por alguém ou que o culpado é um bilionário conhecido do que pensar em um mundo no qual um vírus horrível sem cura alterou a vida como a conhecemos.

Como uma evangélica branca, fui criada sob uma dieta constante de mídia evangélica que semeava a desconfiança no governo federal, mas não parou por aí. Romances como “Este Mundo Tenebroso”, de Frank Peretti, colocaram um pequeno grupo de pessoas tementes a Deus em guerra contra acadêmicos e editores de jornais possuídos por demônios, chefes de polícia e executivos que dirigiam empresas multinacionais. Publicado na década de 1980, o livro foi um sucesso no mercado cristão e abriu caminho para obras mais conhecidas, como a série clássica do fim dos tempos, “Deixados para Trás”. 

Em uma recente série de podcasts para a CBC, a jornalista Lisa Bryn Rundle explora o “pânico satânico” dos anos 1980 e 1990, mostrando como uma histeria em massa contribuiu para a crença de que seitas satânicas estavam predando crianças em toda a América do Norte. Algumas décadas depois, é difícil acreditar que pessoas foram presas por atos supostamente horríveis sem nenhuma evidência. Na época, até mesmo questionar os métodos persecutórios significava que você não acreditava nas supostas jovens vítimas e daria margem para você mesmo ser acusado.

Lisa Rundle destaca o ex-agente do FBI Ken Lanning, que trabalhou especificamente em casos que tratavam de abuso sexual contra crianças. Familiarizado com os riscos reais para as crianças, ele suspeitou do grande número de pessoas supostamente envolvidas, concluindo que isso era estatisticamente altamente improvável.

Havia abuso infantil, é claro, mas não da forma como a mídia estava reportando. Preferimos uma teoria da conspiração à complicada e mais triste realidade.

O ex-agente Lanning destaca que, quando os raios X se tornaram comuns na década de 1960, tantas crianças apresentavam sinais de ossos quebrados que os radiologistas pensaram que poderiam ter descoberto uma nova doença degenerativa. Demorou um pouco para que a comunidade científica e a cultura em geral entendessem a verdade: muitas crianças sofriam violência nas mãos de seus cuidadores.

Isso ainda acontece mais do que queremos admitir. Até hoje, ouvimos falar com mais frequência de “perigo do estranho”, ou do “perigo que está lá fora” quando, na realidade, 93% dos abusos sexuais contra crianças acontecem com alguém de quem a criança é parente ou que é um amigo de confiança da família. É assim que as teorias da conspiração causam danos, afastando-nos do problema real e das soluções mais complexas, mas duradouras.

A COVID-19 apresenta um desafio para pessoas como eu, que cresceram em comunidades onde o pensamento conspiratório foi normalizado. A atual pandemia global não tem vilões fáceis ou soluções fáceis. A tentação está aí, e teremos que trabalhar duro nos próximos dias para garantir que essas teorias não acabem prejudicando comunidades vulneráveis.

Por exemplo, se mulheres brancas de classe média com níveis altos de escolaridade lideram a campanha de resistir às vacinas para COVID-19 (estatisticamente, elas são o grupo demográfico mais provável de serem contra vacinação obrigatória), então aquelas pessoas com riscos de saúde reais e que não terão acesso fácil a vacina serão colocadas em maior risco de contrair a doença mortal.

É assim que as teorias da conspiração causam danos, afastando-nos do problema real e das soluções mais complexas, mas duradouras.

Escritores como Joshua Pease nos lembram que muito mais americanos acreditam em teorias da conspiração do que poderíamos pensar (em uma pesquisa de 2019, 49% dos americanos não acreditavam na segurança das vacinas, por exemplo – prepare-se porque esta será uma grande conversa em nos próximos meses e anos).

E em muitos aspectos faz sentido, precisamente porque está provado que os poderes constituídos muitas vezes não têm os nossos melhores interesses em mente. Na verdade, o poder das teorias da conspiração muitas vezes vem do fato de que elas contêm um grão de verdade. Mas extrair essa verdade faz parte do nosso trabalho como seres racionais. Não se envolver em pensamento conspiratório não significa concordar cegamente com o governo. Em vez disso, significa fazer o trabalho árduo de compreender nossos próprios vieses de pensamento, nosso desejo de simplicidade e a tendência de querer ignorar verdades duras sobre nossas comunidades.

Agora, mais do que nunca, é hora de evangélicos brancos como eu reconhecer como o pensamento conspiratório impactou nossa teologia, cultura pop e as formas como nos envolvemos na política. Só então poderemos realmente começar a combater as forças e sistemas opressores que marginalizam desproporcionalmente uns e protegem outros: então, e só então, começaremos a ser obedientes às palavras de Jesus, que nos chamou a amar ao próximo como a nós mesmos.

D.L. Mayfield é uma escritora e ativista que passou mais de uma década trabalhando com comunidades de refugiados nos Estados Unidos. Ela é a autora do livro recém-lançado, “Myth of the American Dream”. Texto publicado originalmente no site Religion News Service, aqui, em 5 de Junho de 2020.
Tradução: Tiago Garros

Os textos publicados aqui assinados por outras pessoas não refletem necessariamente a opinião do TheoLab, seus colaboradores, nem do TeachBeyond Brasil.

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